The show must go on

 Depois de quase 20 dias desaparecida, cá estou de volta para colocar o papo em dia e explicar as causas do meu sumiço repentino. 

Honestamente, em um primeiro momento pensei em ocultar o fato de eu ter sofrido um acidente aqui na Irlanda. Mas me dei conta de que isso não fazia muito sentido e tampouco seria realista, pois a experiência de morar fora do país não é baseada em apenas glamour e momentos felizes. Existem os perrengues também e eu consegui me envolver em um daqueles perrengues que eu jamais esperaria viver: me acidentar, passar um susto do caramba e perder meu celular. Na verdade, perdi uma bicicleta e o celular pegou carona, hehe.

Em suma: apenas uma semana após chegar aqui, vivendo momentos agradáveis e felizes (acho que existe aquele momento “lua de mel” quando se chega em um lugar novo), me acidentei andando de bicicleta. Cheguei à conclusão de que fui acometida por um azar danado, já que o acidente em si não teve muito sentido (algum acidente tem?).

Aqui em Carrick há uma extensa ciclovia na beira do rio Suir. É simplesmente um lugar lindíssimo, com uma paisagem daquelas dignas de papel de parede da Microsoft e, claro, eu não perderia a chance de fazer um passeio em um lugar tão bonito. 

Bom, antes de sair eu tive um insight muito claro sobre deixar meu celular em casa. Sou uma pessoa muito intuitiva e geralmente acerto quando tenho um insight desses, mas por algum motivo deixei pra lá. Sabe aqueles pensamentos que você julga ser uma bobagem? Pois bem. Até por que levar o celular consigo é a coisa mais óbvia que alguém poderia fazer.

Bom, lá estávamos nós (a outra voluntária e eu) andando lentamente de bicicleta em volta do rio Suir quando, por algum motivo tosco e por uma fração de segundos, perdi o controle da bicicleta. Bom, isso pode ter acontecido por vários motivos… a pista estava úmida, havia algum tempo que eu não andava de bicicleta, local desconhecido, alguma coisa na pista que eu não vi… fato é que, independente do motivo, em uma fração de segundos a bicicleta pendeu para o lado do rio e eu caí. (Caro leitor, sei que você está rindo de mim neste exato momento, que feio!)

O desesperador foi que, mesmo caindo na beira, já dava para perceber que o rio era extremamente fundo. A bicicleta caiu por cima de mim, prendendo minha cabeça embaixo d’água e, ao mesmo tempo, eu sentia meu corpo sendo puxado pela correnteza. Tentava erguer a cabeça para respirar e sair da água, mas a bicicleta por cima não me permitia. Fiquei presa por alguns segundos até consegui empurrar a bicicleta e sair da água. Ao olhar para trás, ainda com a intenção de puxa-la de volta, a bicicleta já havia desaparecido. 

Eu levei alguns segundos para entender que aquilo tinha acabado de acontecer, depois veio o desespero de lembrar que a bicicleta era emprestada e que o meu celular estava junto. Dentre vários outros pensamentos, vieram aqueles sobre estar longe de casa, ficar incomunicável e sem acesso a nada (aplicativos de mensagem, banco, etc). Depois fiquei me perguntando como explicaria para o dono da bicicleta que eu a havia perdido. E a angústia do prejuízo financeiro de ter perdido um celular.

Esses dias brinquei com uma amiga que as duas piores coisas que se pode acontecer com alguém fora do país seriam: morrer e perder o celular. Não obtendo êxito na primeira (ainda bem!) consegui executar a segunda. Experiência desagradável que não recomendo hehe.

Felizmente as pessoas aqui no Camphill foram extremamente solidárias e acolhedoras. Me abraçaram várias vezes, me tranquilizaram sobre a bicicleta, me lembraram de que o mais importante é eu estar bem. Providenciaram meios para que eu pudesse contatar a minha família, me emprestaram um celular até que eu pudesse comprar outro e tiveram muita paciência sobre o fato de eu ter ficado uns dias emocionalmente abatida. Precisei de um tempo para voltar a cabeça no lugar.

Passado todo esse susto e considerando que está tudo bem, consigo até achar graça. Tem coisa mais aleatória que ir parar em uma cidade pequena do outro lado do mundo e cair em um rio? Olha, acho que esse foi o meu ápice até agora kkkk.

Mas há também as reflexões. Não é a primeira vez que me deparei com um risco de morte. Sempre há aquele segundo, aquele único segundo, onde tudo o que você quer é voltar. Lembrei-me das inúmeras vezes, em outros momentos da minha vida em que estive desanimada e sem nenhum propósito. Às vezes aquela chama ardente pela vida se apaga, mas nesses horas você compreende que quer viver de qualquer jeito e que não dá para deixar a chance passar. É um convite a dar valor à própria vida, pois em frações de segundos é possível perdê-la.

Me alegrou, também, conhecer minha própria força. Cada um tem sua força e é possível conhecê-la por diversos meios. Ouvi algumas pessoas me dizendo que no meu lugar teriam desistido do intercâmbio, desanimado ou teriam ficado traumatizadas. Alguns disseram “nem sei o que teria feito no seu lugar”. E quer saber? Eu também não sabia o que eu teria feito até acontecer comigo. Embora o choque inicial e ansiedade posterior ao fato, encontrei dentro de mim um centro de serenidade que me manteve firme até o desconforto passar. Dias depois isso tudo se tornou apenas mais uma história para contar.

Outro ponto é que me dei conta do quanto dou pouco valor aos meus talentos e habilidades. Sempre gostei de escrever, mas por algum motivo fiquei tímida e insegura ao dividir meus textos, poemas, pensamentos, então os guardava apenas para mim. Tinha medo que achassem uma bobagem. Sempre que a inspiração vinha eu escrevia no bloco de notas do celular e pensava “um dia eu posto isso aqui”, mas esse dia nunca chegava. Infelizmente perdi para sempre grande parte de alguns poemas meus que eu particularmente gostava bastante e que não conseguirei reescrever com a mesma qualidade. O lado bom é que essa perda me deixou faminta por recuperar a arte da escrita e procurar novos meios de me inspirar.

Ah, isso também te ensina a ser humilde. Humildade é uma virtude engraçada… ela é simples e sutil, mas aparece para te dar lições das formas mais duras possíveis. Digo isso por que, de uns anos pra cá, eu agia como uma “senhora de mim mesma”. Com o tempo aprendi a lidar sozinha com as minhas questões, sem ter que pedir ajuda. Pois a vida me deixou em um papel bem vulnerável onde não tive escolha a não ser confiar naqueles em minha volta e relembrar que de alguma forma sempre precisamos uns dos outros.

É amigos… não dá pra desperdiçar a vida com bobagens. De vez em quando me pego caindo em alguns velhos pensamentos bobos e aí a voz da minha consciência me diz: “você saiu ilesa de um acidente no rio, vai deixar essa estupidez te vencer?”.

Embora tenha sido um baita de um susto que me trouxe algumas chateações financeiras, optei por não lamentar. Bom, acidentes são essas coisas que acontecem em um segundo qualquer, sem aviso prévio com qualquer pessoa… por que eu estaria isenta? Prefiro apenas acreditar que todas as coisas servem a um propósito maior. Eu sirvo a um propósito maior. Opto por agradecer a chance de viver e sigamos o baile.

(Dias antes eu havia postado uma foto do rio com a legenda “Ireland’s call. Profecia ou coincidência de péssimo gosto?)


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