Ela faz o “advocacy” dela

 


Antes de embarcar em uma longa jornada em outro país - seja acadêmica, trabalho, voluntariado, etc - é preciso romper com a romantização de que você estará livre de certos desafios. Existe este ideal de que tudo fora do Brasil é mil vezes melhor, logo, você nunca mais topará de novo com certos tipos de problema ou pessoas.

Por muito tempo me deixei levar por esse pensamento, mas felizmente já havia abandonado essa ideia antes de vir para cá. Sim, felizmente, pois assim eu não sofro com possíveis decepções ou frustrações. Apenas lido com o que preciso lidar, assim como lidaria em qualquer outro lugar do mundo.

Trago essa reflexão prévia para narrar algo que me aconteceu esta semana. Contextualizando brevemente: um dos residentes decidiu que gostaria de ir à missa todo sábado à noite e, devido a suas limitações, ele não pode ir sozinho. Simplesmente empurraram esse dever para mim e a outra voluntária (que espertinhos, eles sabem que ninguém quer trabalhar sábado à noite… mas nós amamos né?).

Bom, não há nenhum problema em acompanhar o residente desde que isso seja solicitado dentro da nossa jornada de trabalho. Sim, voluntários tem um limite de 8 horas diárias de trabalho e com direito a dois dias de folga, isso preciso ser respeitado para não configurar trabalho ilegal. Eles pensaram nisso? Isso mesmo que você está pensando, nobre leitor, não pensaram.

Então chegado o dia de levar o senhor na missa houve a seguinte confusão: eu já havia trabalhado 8 horas no sábado e já tinha compromisso à noite, então recusei a tarefa. A outra voluntária estava de folga e também não tinha obrigação de ir. Mas sobrou pra ela, não teve jeito.

Dias depois recebemos um e-mail da gerente local desta comunidade nos dando uma bronca, dizendo que havíamos tido tempo livre demais e que não queria saber de confusões na hora de levar o senhor residente à missa.

Bom… alguém que abriu excessões, inclusive de intervalos, somando às vezes 12 horas diárias de trabalho - mesmo não tendo a obrigação - sente uma certa fúria em ser basicamente chamado de “à toa”. Ora bolas…

Havia tanta coisa errada nessa situação - a começar que o dever de organização da agenda são dos coordenadores, nós meros voluntários só executamos o que nos é passado. 

Aí bate o conflito: deixo para lá? Afinal sou voluntária, latina, em posição de desvantagem… engulo minha raiva e me adoeço em momento posterior? Ou escrevo um e-mail educado apontando as razões pela qual a gerente estaria errada e rezo pra não virar confusão ou marcação com a minha pessoa?

Depois de quase ficar uma noite sem dormir de indignação e frustração (situações como essa dão um certo medo. Medo de ser explorado e não ter a quem recorrer, medo de se decepcionar com a experiência de intercâmbio, medo de tudo dar errado…) resolvi que mandaria o e-mail. E mandei com uma galera em cópia para assegurar que ninguém mais encheria meu saco.

Resultado: e-mail ignorado com sucesso, ninguém respondeu kkkk MAS elaboraram uma agenda dentro da nossa jornada de trabalho, incluindo essa tarefa de levar o residente à missa, assim ninguém mais teria que sacrificar momentos de folga. E no outro dia algumas pessoas que mal falavam comigo passaram a me cumprimentar e perguntar se estava tudo bem me pedir algum favor. Bom! Pelo menos o efeito esperado foi alcançado (espero que de forma definitiva, mas vai saber…)

Eu francamente já esperava que fosse passar por situações assim. Não vim para cá achando que estaria no paraíso europeu e livre de desafios. Mas o propósito era esse mesmo: me colocar frente a frente com situações desafiadoras e buscar meus melhores mecanismos para enfrenta-los… eu realmente acho que lá na frente isso vai servir de alguma coisa. 

Um trecho de uma jornada sempre complementará algo dentro de uma jornada ainda maior. Fez sentido? Para mim fez, hehe.









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