A morte sob uma outra perspectiva


Bom, já devo ter reafirmando em posts anteriores que a minha decisão de fazer intercâmbio consistiria em, sobretudo, viver tal experiência com a mente e o coração abertos, aceitando o que viesse. Isso incluiria aceitar os momentos difíceis, inesperados, cansativos, tristes.

Logo quando cheguei aqui conheci uma residente chamada Helen. Confesso que nossa interação foi um tanto breve, pois dei assistência a ela apenas uma vez. Poucos dias depois ela foi hospitalizada por sofrer uma queda (de vez em quando ela era acometida por convulsões). Era esperado - bom, pelo menos na minha visão - que ela voltaria em algum momento, após realizar exames e tratamentos adequados. Infelizmente não foi o que ocorreu. Semana passada recebemos a notícia de seu falecimento, o que foi uma surpresa para muitos.

O primeiro desafio que a morte nos traz é justamente o de noticiar os demais. Existe um instante muito tenso em que você precisa escolher bem as palavras antes de transmiti-las. Tal momento é seguido de uma resiliência para amparar quem as recebe. Não é tarefa fácil... pois você pode escolher as palavras mais doces possíveis, aquele ente querido se sentirá impactado da mesma forma. A reação do outro não é algo que podemos controlar ou prever, apenas... acolher.

Embora noticiar o falecimento de um residente não seja minha função enquanto voluntária, não significa que eu estaria isenta de faze-lo caso alguém me perguntasse alguma coisa. Infelizmente coube a mim informar uma amiga da Helen que ela havia partido. Foi uma pergunta despretensiosa, acredito que ela não esperava ouvir uma notícia ruim e foi pega de surpresa. Bom, não quero aprofundar muito pois não cabe explorar  ou detalhar uma situação triste. Apenas reflito que talvez esse tenha sido uns dos maiores desafios vividos até aqui.

Em resumo, posso dizer que foram dias bem difíceis e tensos, uma vez que os residentes são pessoas sensíveis a situações como essa. Qualquer coisa fora do comum que acontece por aqui causa um grande impacto sobre eles - e me refiro a questões cotidianas mesmo, como por exemplo um eletrônico estragar, refeições fora do horário, etc - então imaginem ter que explicar que alguém do convívio deles se foi? É um cenário incerto e bem complexo.

Ontem, dia 18/12, realizaram o funeral aqui no Camphill. Foi a primeira vez que me vi envolvida com a organização de um funeral - coisas da vida que nunca pensaríamos encarar. Passamos os 3 dias anteriores limpando o espaço, providenciando comida, mudando móveis de lugar. Foram dias longos e exaustivos, meus amigos. 

 Ante a sensibilidade do assunto, eu não possuía a intenção de dar detalhes sobre este momento. Mas não consegui negar que enxerguei uma certa beleza nisso tudo e queria falar sobre ela. É claro que estamos falando de um momento de dor, melancolia e saudades, naturalmente as pessoas choram, lamentam. Porém me chamou a atenção como velório não tinha como foco o falecimento da Helen, mas a sua vida. 

Todo o espaço foi preenchido de itens produzidos por ela: poemas (e muito bonitos por sinal), desenhos, algumas costuras artesanais. Também havia fotografias de vários momentos de sua vida, seus itens favoritos. As pessoas cantaram juntas algumas canções de esperança - as quais transmitiam um sentimento de serenidade ante a morte.

Houve um momento em cada um dos seus parentes e amigos próximos recitaram alguns poemas em sua homenagem. Alguns até contaram algumas histórias engraçadas vividas com ela e, olha, conseguimos rir bastante, mesmo em se tratando de em um funeral. Enfim, foi um momento de relembrar as coisas belas da vida e agradecer por tudo.

Apesar do que se espera, me surpreendi com a leveza das pessoas ali presentes e de como elas encararam a morte: não como algo a se lamentar somente, mas também como a história de uma vida que deve ser relembrada e contada com alegria. Uma mistura de tristeza com riso, dor e consolo, vazio e gratidão. 

Alguns irlandeses me explicaram que geralmente os funerais são feitos assim mesmo. A ideia é celebrar a vida daquele ser que passou e honrar suas memórias. Chorar pela morte é inevitável, mas a tristeza não pode ser tudo o que resta no final das contas. Os anos de momentos felizes, os anos construídos juntos, as memórias belas - tudo isso prevalece sobre a tristeza do luto. Isso seria dar valor à vida.

Bom, trata-se de um momento delicado para muitos. Jamais achei que viveria algo parecido em outro país, tampouco que teria notas a fazer a respeito disso. Mas acho que não pude me desviar da lição sublime que tive ontem, uma dos apredizados muitos bonitos e fortes que eu tive a oportunidade de encarar. Sim, mesmo se tratando de um funeral. Mesmo se tratando de algo tão difícil, sutil e complexo quanto partir deste mundo.








Comentários

Postagens mais visitadas