Natal enquanto estrangeira

(Manhã de Natal)

Aaaah, o Natal europeu... tudo tão charmoso, as ruas decoradas com luzes natalinas enquanto constratam com o céu nublado de inverno. Pessoas caminhando felizes com um delicioso café ou chocolate quente enquanto contemplam talentosos cantores de rua que, animadamente, entoam em um único coro músicas tradicionais e alegres de Natal.

Narrando assim parece coisa de filme, certo? De fato, a sensação de caminhar pelas ruas de Carrick-on-Suir, Waterford e Dublin durante o período de Natal trouxe um conforto familiar, desses cinematográficos mesmo. O senso de humor e o talento irlandês torna tudo ainda melhor e mais bonito, pois todo mundo aqui parece ser alegre e saber cantar. 

Ademais, este não foi meu primeiro Natal longe da minha família. Em 2018 eu passei o Natal e Ano Novo na Suécia e não fiquei nenhum pouco triste, não derramei uma única lágrima de saudade. A diferença é que em tal ocasião eu era apenas uma turista, o que causa um impacto diferente de se estar morando em outro país.

Dito tudo isso, achei que tiraria de letra o Natal longe de casa: primeiro, por já possuir uma vivência anterior e, segundo, por estar realmente curtindo a vibe natalina daqui. Em um prévio instante é sempre animadora a ideia de viver o Natal sob a ótica de outras pessoas e culturas.

Mas não sei muito bem como as emoções negativas nos alcançam. Algumas vezes eu as vejo chegar de longe, outras... elas simplesmente aparecem sem nenhum tipo de aviso prévio, como um parente indesejado que aparece na sua casa sem ser convidado. Não há como fugir - aliás, aprendi às duras penas que não se foge de emoções negativas - você deve apenas aceita-las até irem embora. 

Foi mais ou menos assim o meu Natal. Até meados do dia 23 de dezembro eu nem estava prestando atenção nas datas, nas minhas emoções, no meu humor ou no que quer que seja. Então eu diria que tudo estava bem até acordar no dia 24 de manhã. A casa estava silenciosa pois a maioria dos residentes já haviam ido encontrar suas famílias. Eu normalmente daria graças a Deus por isso, já que silêncio é coisa rara por aqui, mas em vez disso fui acometida por uma solidão que há muito tempo não sentia.

Senti com mais ênfase a estranheza de estar em um local onde não tenho raízes, a dificuldade de me manifestar plenamente em um idioma que não é o meu, de me alimentar de coisas que não são tão agradáveis ao meu paladar e, sobretudo, de encontrar pessoas com as quais eu não possuo um vínculo profundo.

(Nunca tinha parado para notar que em condições assim você inconscientemente vive um autoisolamento interno: lá no fundinho de você há aquela pessoa com determinada personalidade, manias, hábitos, etc, mas você não consegue expressa-la plenamente pois precisa se adaptar ao ambiente externo. É como se você guardasse o seu "eu" de verdade em uma gavetinha já que não dá para usa-lo por enquanto. Mas com o tempo esse "eu" começa a espernear, gritar, com vontade de sair e... aí a gente se depara com a solidão. Afinal, vai se manifestar como? E para quem?)

Foi um desafio particular relembrar os outros Natais, de outros tempos, tão cheios de alegria e compreender, ao mesmo tempo, que estou onde estou por puro livre arbítrio - e sendo assim, busquei não me estender muito na lamentação.

Mas, amigos, boa canceriana que sou, devo admitir que chorei. Ah, eu chorei e não foi pouco. E não fui a única. Logo pela manhã eu me deparei com a Hanna, a outra intercambista alemã, e ela logo confessou que não estava se sentindo muito feliz também. Não deu outra, ali estávamos as duas abraçando uma a outra e chorando pra caramba admitindo estarem se sentindo sozinhas e com saudade de casa. Acho que aquela estranheza faz parte da característica de ser um estrangeiro...

Assim passamos a nossa véspera de Natal. Meio para baixo, com cara de choro e tentando pelo menos relaxar um pouco. Um outro choque cultural veio quando eu soube que não teríamos absolutamente nada no dia 24 à noite, pois a ceia de Natal mesmo seria apenas no dia 25 no horário de almoço. Talvez isso tenha contribuído um pouco com aquela melancolia toda, pois para mim o encontro em família no dia 24 é a parte mais legal do Natal.

Bom, buscando pelo menos salvar o pouco do que havia restado de nosso espírito natalino, Hanna e eu fomos em um pub. Sim, prezados amigos, pub irlandês não para nem em época de Natal. Os pubs aqui funcionaram normalmente até 20:00 e estavam lotados. E na verdade, olhando sob outro prisma, foi gostoso passar parte do meu Natal em um local tão improvável e tirar disso algum proveito. Antes do pub fechar as pessoas começaram a cantar juntas um famoso "hino" de Natal irlandês chamado "Fairytale of New York". A música é realmente muuuito boa, uma das minhas preferidas e vou compartilhar aqui. Foi bem legal ver aquela galera toda com copos de Guiness na mão cantando uma música natalina pouco convencional. Esse momento me trouxe alegria, devo admitir.



(Em rede social todo mundo parece feliz, não é verdade?)

Depois disso demos uma rápida volta pela cidade e voltamos para casa. Minha 'ceia' de Natal foi um sanduíche que eu mesma fiz e, após esta formidável refeição, não me restou mais nada a fazer do que me dirigir aos meus aposentos e talvez chorar mais um pouco (brincadeira, nem chorei, mas seria bem possível).

(Uma ceia xoxa, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsciente)

Quando finalmente chegou o dia de Natal, já estava me sentindo bem melhor. Me surpreendi com alguns presentes, a comida estava farta e bem gostosa, os staffs mais legais estavam conosco. Foi um dia tranquilo comendo muito e assistindo filme de Natal. A senhora que cozinhou para nós nem ficou para ceiar conosco, mas ela fez questão de fazer um almoco bem delicioso para todo mundo (a hospitalidade do irlandeses é uma coisa que faz toda a diferença em momentos assim).


(Ainda bem que o pessoal por aqui não conhece o famoso arroz com uva passa)

(Hanna e eu. Como dira o pessoal daqui: lovely!)

(Um amigo me deu uma garrafa de vinho. O obstáculo idiomático não impediu meu amigo de entender que eu gosto de tomar umas)

(Presente de uma das residentes daqui. Eu amo como eles me chamam de "Marie" em vez de "Maria")

A conclusão que tiro disso tudo é que não foi um Natal ruim. Eu poderia chama-lo assim, faria sentido julgar a tradição dos outros e considerar os meus costumes mais confortáveis. Mas também não faria nenhum sentido viver a experiência de intercambista. O segredo está justamente no desapego de tudo o que você conhece e na abertura para o que é diferente do seu universo particular. E as emoções - boas ou não - serão companheiras. Ora, ficar triste e com saudades não necessariamente precisa ser uma fatalidade...

Eu ainda tenho cerca de nove meses pela frente, que significa um dia melancólico diante de tudo o que há por vir? Certamente ainda terei anos de Natais aí pela frente, que diferença fará um único vivido em circustâncias atípicas? Ainda hoje mencionei à uma das staffs que não poderia esperar me sentir feliz todos os dias e o tempo todo. 

Além do mais... tudo vira história para contar. Há dois dias estava eu triste, com saudades de casa e bebendo em pub irlandês na véspera de Natal. Tenho certeza que daqui a algum tempo essa será mais uma lembrança interessante - e também engraçada, quem sabe?





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