Pequenos aborrecimentos, pequenas preces, respostas interessantes

Ultimamente venho relatando apenas passeios e paisagens, e acabei deixando passar as coisas do dia a dia. Bom, o dia a dia é cheio de coisas banais, cotidianas e diria que até mesmo desinteressantes. Talvez por isso não estava dando o devido valor aos acontecimentos ao meu redor ou mesmo sequer estava prestando atenção neles.

Contudo, hoje passei por uma situação que me relembrou o poder da prece e, devo dizer, isso reacendeu meu ânimo. Já há alguns dias tenho percebido meu humor mais para baixo, apático e talvez um pouco melancólico. Embora eu busque diariamente cultivar minha fé espiritual, em dias assim eu acabo por deixar tudo de lado.

Plena segunda-feira de folga, resolvi ir até Clonmel, uma cidade vizinha. Não há nada de especial por lá (tanto que nem tirei fotos), mas queria escapar um pouco do lugar onde moro e pelo menos ter um almoço diferente. E assim foi: peguei o ônibus com a intenção de dar uma volta, almoçar e voltar antes das 15:30. Devo acrescentar que os tickets de ônibus não são baratos na Irlanda (uma viagem de 20 a 30 minutos custa quase 10 euros), então tenho buscado usar um aplicativo chamado "TFI Go" para conseguir descontos. Assim sendo, adquiri um ticket de ônibus já pensando na volta, cujo aborrecimento eu não poderia prever.

Ao chegar no ponto de ônibus (com 10 minutos de antecedência, diga-se de passagem), o aplicativo já constava alguns minutos de atraso. Até aí tudo bem, 5 minutos de atraso não parece grande coisa... mas se passaram 10 minutos, 15, 20 minutos... enquanto isso o tempo foi mudando e lá estava eu, sozinha no ponto de ônibus, passando frio e pegando garoa. Inexplicavelmente o ônibus não apareceu e aparentemente nem iria. "Dinheiro do ticket gasto à toa", admito que foi meu primeiro pensamento.

O próximo ônibus viria dali uma hora, porém era de uma outra empresa e era mais caro, eu sabia que não tinha dinheiro  em espécie o suficiente para pagar . Além disso, minha bateria de celular já está nas últimas (típico!). Minha única opção seria procurar um caixa eletrônico nas proximidades e voltar, correndo o risco de perder o ônibus, já que em cidade pequena as coisas existem em menores quantidades. Certamente eu teria que andar um bocado até achar o banco mais próximo.

No meu pico de irritação, acabei por fazer uma prece: "Deus, me ajuda a volta pra casa! Estou com muita raiva de estar aqui e não vai ter ninguém para me buscar, preciso dar um jeito!"

Quando já estava prestes a sair em busca de um caixa eletrônico, minha intuição me instruiu a ficar. Ora, difícil descrever a voz da intuição: além de muita discreta, silenciosa e objetiva, é preciso estar em um estado de "não medo" para compreende-la. Tudo o que vem da intuição traz uma espécie de paz, portanto o medo acaba por ter como única tarefa a confusão e impaciência.

Minutos depois chegou um senhor, o qual passou a conversar comigo. Estava com um aplicativo aberto e me mostrou que todos os ônibus estavam atrasados naquele dia (isso é algo engraçado entre os irlandeses. Eles não estão nem aí se você é um completo estranho, sempre puxam assunto como se te conhecessem há anos). Por um acaso descobri que ele estava indo também para Carrick-On-Suir, cidade onde ambos moramos. Nesse bate-papo acabei narrando minha situação de estar ali há mais de uma hora, sem notícias do ônibus anterior, com um ticket desperdiçado e sem ter certeza se tinha dinheiro suficiente para o próximo ônibus... ele me soltou um "bem-vinda à Irlanda!" com um ótimo bom humor, aparentemente essas coisas acontecem com certa frequência por aqui.

Quando finalmente o bendito bus apareceu, lá fui eu rezar para ter dinheiro o suficiente, quem sabe minhas moedas não resolvessem procriar naquela hora... tentei pensar em várias desculpas para o motorista: dizer que sou estudante mas estava sem carteirinha, pedir um desconto, narrar minha frustração com o ônibus anterior para, quem sabe, ele ter pena de mim... mas no fim, apenas perguntei quanto era a passagem e ele respondeu "8,50 euros", ao passo que eu tinha 7 euros e uns quebrados. Por um segundo fiquei angustiada com a possibilidade de ter que descer do ônibus por causa de uma diferença tão pequena e sem saber como voltar para casa, porém aquele mesmo senhor simplesmente interou o valor restante.

Nunca fui alguém que precisou de ajuda financeira de um completo desconhecido. Nessa hora me recordei das tantas pessoas em rodoviárias pedindo dinheiro para inteirar passagens e voltar para casa e, olha... embora minha situação fosse mais descomplicada e menos onerosa, me dei conta de como é angustiante não ter muito com quem contar, a não ser com a generosidade de alguém aleatório.

Agradeci à ele, pedi desculpas (não nego que me senti bem constrangida) e até me propus a devolver o valor por transferência bancária. Ele apenas me respondeu: "já passei por situações assim quando mais jovem, não se preocupe". 

Ao longo de todo o trajeto até Carrick-On-Suir seguimos conversando: descobri que ele tinha sobrevivido a um câncer e que, embora estivesse curado, já não sentia a mesma força de antes; que aos 60 anos, tinha resolvido voltar aos estudos de informática; e... o mais interessante de tudo, que ele é marido de uma das funcionárias que trabalha comigo no Camphill (marido de uma das minhas "chefes", por assim dizer, uma pessoa que encontro todos os dias).

Fui pega de surpresa com aquela informação, ora, jamais me passou pela cabeça sequer supor que existia ali um elo em comum. Afinal, quais eram as possibilidades? Eu não conhecia absoutamente ninguém naquela cidade...

Ao chegarmos em Carrick-On-Suir, mais uma vez agradeci pela ajuda daquele homem que nem imagina ter sido a resposta de uma oração feita por alguém muito irritado. Me lembrei de tantas outras vezes em minha vida em que, diante de situações semelhantes, fiz preces assim e as respostas chegavam imediatamente. Nunca houve um única momento em minha vida em que de fato eu estive só, algo misterioso sempre cuidou muito bem de mim,

Há momentos em que eu me desligo um pouco dos meus propósitos e acabo me perguntando que diabos em vim fazer aqui. Como, dentre tantos lugares no mundo, fui para em uma cidade proviciana no interior da Irlanda. Mas momentos como esse resgatam a certeza de que estou vivendo uma jornada, muito bem amparada por uma força invisível muito maior do que eu sou capaz de imaginar.





Comentários

  1. Que coisa incrível!!
    A vida é mesmo uma caixinha de surpresas, ja dizia Joseph Climber.

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